quarta-feira

Religiosa cuida de mais de 300 gatos em Barroquinha (CE)


Ao chegar no município Barroquinha, no Ceará, basta perguntar onde fica o Gatil Irmã Francisca que todos apontam a mesma direção: “Aqui não é irmã Francisca, é mulher gato”. Quem mostra o local em que a freira, com ajuda de 20 voluntários, abriga, alimenta e trata mais de 300 gatos é Edite Eco, também cuidadora de felinos. “Aqui tem muito gato. Eles vão aparecendo e eu pego. Mas muitos aparecem depois mortos, as pessoas matam e maltratam por diversão”.

Tudo começou há quase 40 anos. Depois de duas décadas de clausura na comunidade das Irmãs Concepcionistas, no fim de linha de Brotas, Maria Bezerra, a irmã Francisca, 87, decidiu fazer trabalhos de caridade. “Durante uma oração, não vi Deus, mas ele falou claramente em meu ouvido: ‘vai trabalhar em prol das crianças abandonadas e dos velhos'”. O salário que ganhava como professora de música e religião no Colégio Nossa Senhora das Mercês, dividia entre o orfanato e o convento. “Fazia uma integração entre crianças pobres e ricas. Era um trabalho muito lindo”.

Mas, foi quando se mudou para a Barroquinha, quase dez anos mais tarde, que Irmã Francisca começou a cuidar de animais em situaçao de abandono. “Via de lá de cima aqueles animais famintos, cachorro, gato, pombo… aí comecei a cuidar deles. Descia com um carrinho cheio de comida, água, remédio”, lembra. Até banho, os animais recebiam. “Era uma confusão danada. Fazia uma casinha para eles, aí vinha alguém e desmanchava. Eu ia lá e fazia de novo”.

De repente 300

Depois de levar 15 gatos para o quarto e sala em que morava, irmã Francisca começou a procurar instituições e autoridades públicas para ajudá-la. Nada. “Tive uma esperança, mas me enganei”. Foi aí que ela, com alguma ajuda, cercou um terreno baldio público e construiu um pequeno galpão, onde abrigou 30 gatos. “Começou com 30. De repente, já eram 300″. Isso porque, como explicou a voluntária Gleyce Brito, todos os dias as pessoas deixam animais lá, como se fosse um depósito. “Mas não cabe mais. A situação é muito complicada, às vezes tem ração, às vezes não tem”, explicou. Assim como entram muitos animaiszinhos, vários acabam morrendo. “Agora, por exemplo, eles estão com gripe. Quando o tempo esfria um pouco é certo”, diz Gleyce. A maior parte das vítimas fatais são filhotes.

Para evitar que a população de gatos cresça ainda mais, a solução é castrar. E, de acordo com Gleyce, a maioria já passou pelo procedimento. E como saber qual gato já foi castrado? É fácil e simples, ela ensina: os gatos que não vão gerar novos gatinhos tiveram a pontinha da orelha cortada.


Terreno baldio

Quando Irmã Francisca decidiu, com a ajuda de voluntários, construir um novo galpão, de tijolo e cimento, a Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom) interviu. Em setembro de 2015, a obra, que já tinha começado, foi embargada e os gatos ficaram sem a nova casa. “Queriam tirar tudo, até os gatos. Aí perguntei ‘e botar onde?’. Mas deixaram ficar lá”. O galpão sobreviveu, assim como a esperança. “Agora, o que nós precisamos mesmo é conseguir o alvará para continuar a construção”.

O próximo passo do gatil, como explicou o voluntário Fernando Pereira, é virar uma Organização Não Governamental (ONG). “As vantagens são milhares, mas as principais é que vamos ter um CNPJ e, assim, abrir uma conta no banco no nome do gatil, e não de uma pessoa física. E também tem essa questão da reforma, a Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom) só faz a liberação para o CNPJ”.

De acordo com a Sucom, ainda não há previsão de quando a obra vai ser autorizada. Se é que vai ser. A Secretaria justificou que é um processo que leva tempo e a ideia é buscar um consenso. Enquanto isso, os gatinhos se viram com o que têm. Com tapume e a ajuda do faz-tudo do gatil, Genivaldo de Brito, irmã Francisca ergueu uma salinha de pós-operatório e um pequeno espaço para as gatas paridas e os filhotes. “A administração da prefeitura não queria, mas meti a cara e fiz”.

De mãos atadas

Por mês, o custo para alimentar, cuidar e dar remédios para os mais de 300 moradores do gatil beira os R$4 mil. Há pouco mais de um ano, os voluntários organizaram um site e uma página no Facebook para divulgar o trabalho e, por ventura, conseguir mais doações. Por enquanto, são poucos, mas há outra alternativa. “Fazemos uma feirinha quinzenal aos domingos lá na Praça do Campo Grande. Às vezes, a arrecadação é boa. Uma vez vendemos quase R$1 mil”, contabiliza.

Na feirinha, que geralmente vai das 13h às 17h, vende-se de tudo: de lanchinhos à roupas e livros doados. É também na feira que alguns gatos, tanto filhotes e quanto adultos, são adotados. Para isso, é necessária a garantia de que o animal não vai fugir de casa. “A gente tem todo o trabalho de tirar o gato da situação rua, então a única coisa que a gente não quer ver é ele daqui a duas ou três semanas abandonado de novo por aí”, comenta Fernando Pereira. Segundo ele, só em 2015, a média foi de dois a três gatos adotados por feira. “Em uma feira, 11 foram adotados, em outra, todos voltaram com a gente. Mas, ainda assim, a média é muito boa”.

Essa não é a primeira vez que irmã Francisca recebe a visita de jornalistas para falar sobre o gatil. “Depois que a imprensa começou a divulgar, a senhora acha que teve alguma mudança?”. “Não, não, não. O que acontece é que chovem mais gatos. As pessoas começam a deixar aqui, achando que a gente consegue cuidar deles, mas você está vendo que não tem mais espaço”. Mesmo com toda a expectativa por dias melhores, a freira carrega um receio. “Meu medo é que não tenha alguém que conheça o processo de trabalho aqui, para continuar”.

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